Enquanto muita gente está preocupada com a expansão do greenwashing – que todos sabem serem afirmações enganosas sobre as atividades sustentáveis de um produto ou serviço –, a prática vem se desdobrando em novos tipos, que atentam contra a gestão dos pilares ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança).
Um deles é o greencrowding, ou seja, empresas de um setor econômico que se alinham em associações ou organizações para atenuar os riscos e compromissos assumidos para superar a crise climática, promover a transição energética ou adotar tecnologias renováveis, entre outras questões.
Tem o mesmo sentido de se esconder no anonimato, na multidão para fugir da acusação do cometimento de uma falta, um delito. Segundo a doutrina penal brasileira, um crime cometido sob influência de uma multidão tem atenuantes, porque o acusado está em meio ao tumulto e ao descontrole da multidão. As consequências são imprevisíveis e, por isso mesmo, pode ser levado a ter condutas que, isoladamente, não teria. Isso vale também para a esfera corporativa.
O greencrowding vem sendo detectado em diversos segmentos, como no setor financeiro, cuja aliança em defesa da campanha Net Zero tem desacelerado quando se trata de não financiar novas usinas de carvão e investimentos em outros combustíveis fósseis. De acordo com a Carbon Tracker[1], neste ano atingiremos o pico de energia decorrente do uso de combustíveis fósseis, que pode se estender até 2030, de acordo com o crescimento da economia global. Somente depois de 2030 poderemos ter uma superação de fontes de energias renováveis, se pudermos contar com a expansão dos veículos elétricos no transporte e mudanças no combustível utilizado na indústria, cuja grande aposta é o hidrogênio verde.
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O Brasil vem priorizando as fontes de energia eólica e solar, com previsão que venham a compor 18% da matriz energética brasileira até 2026, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), e tem reduzido o investimento nas hidrelétricas, o que é positivo, uma vez que muitas estão ou estariam planejadas para construção em terras indígenas. Contudo, a volatilidade desse tipo de energia limpa (eólica e solar) pode levar a um pico de consumo de combustíveis fósseis, o que será um fator negativo para reduzir a emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera, a temperatura do planeta e controlar eventos climáticos severos.
Essa adoção de parte do setor financeiro ao greencrowding também incluiria uma reavaliação dos termos da campanha Race to Zero da ONU, uma coalizão que conta com apoio de empresas, cidades, investidores para alcançar emissões líquidas de carbono zero até 2050, cumprindo as metas do Acordo de Paris. Quem aderiu deve eliminar “todas as emissões de Gases de Efeito Estufa; 1) Incluindo os escopos 1, 2 e 3 para empresas e outras organizações; 2) Incluindo todas as emissões territoriais para cidades e regiões; 3) Para entidades financeiras, incluindo todas as emissões em carteira / financiadas / facilitadas / seguradas; 4) Incluindo emissões terrestres”.[2]
Outro exemplo apontado como greencrowding é a Aliança para Acabar com o Desperdício do Plástico, que conta com a adesão de companhias do mercado e promete investir US$ 1,5 bilhão em soluções. O objetivo da organização é um tanto genérico: “Há uma necessidade de uma mudança crítica do modelo ‘pegar-fazer-descartar’ em direção a sistemas circulares que mantêm materiais e produtos em uso pelo maior tempo possível.[3]
De acordo com a Planet Tracker[4], que analisou 65 membros dessa aliança – que inclui empresas brasileiras –, nos três primeiros anos ela não alcançou as metas e chegou a apenas 0,04% de reciclagem de plástico, que é uma crise planetária. Também pontuou que 92% dos membros não apoiaram o Tratado da ONU contra a poluição plástica, que envolve todo o ciclo de vida do material – produção, design e descarte – e 68% dos membros se opuseram à Lei de Poluição por Plástico norte-americana. A aliança discorda dessa análise realizada pela Planet Tracker. Os resíduos plásticos são considerados o tipo de poluente mais presente nos rios e oceanos do mundo. Somente o Brasil, anualmente, vaza 13,7 milhões de toneladas de plásticos para o meio ambiente, tendo os oceanos como destinação final, segundo dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2022.
Com os atenuantes gerados pelo greencrowding, muitas corporações podem fazer sua “exculpação” pelo descumprimento de práticas de sustentabilidade e ESG assumidas. Na multidão, os objetivos acabam sofrendo uma “turvação” acidental, o que reduz a responsabilidade de todos que estão juntos, que altera os parâmetros assumidos de forma isolada. Essas multidões podem perturbar a ordem da sustentabilidade e ganhar proporções para comprometer as participações necessárias para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030.
Outra variante do greenwashing é o greenhushing. É uma prática muito sutil, porque consiste no fato de as empresas deliberadamente não comunicarem suas práticas de sustentabilidade. Isso pode ser entendido como uma opção estratégica, mas uma pesquisa da consultoria suíça South Pole[5] com 1.200 empresas em 12 países e 15 setores, com lideranças em sustentabilidade e responsabilidade social, apurou que 67% das grandes organizações têm meta líquida zero, mas 23% delas não planejam divulgar suas metas climáticas de emissões de gases de efeito estufa.
E por quê? Isso lança uma dúvida sobre a autenticidade do compromisso com a sustentabilidade. É o que a consultoria chama de “silêncio verde”. Nesse processo, as empresas evitariam se poupando a críticas de que seus esforços não são suficientes, um cancelamento ou atrair suspeita de greenwashing e consequente processos.
Quando o assunto é sustentabilidade e o futuro do planeta está em jogo, o silêncio se torna mais negativo do que positivo, porque todos os stakeholders (clientes, investidores, profissionais, parceiros negociais, governos, sociedade, mídia etc.) querem saber como e em que etapa a organização está contribuindo para reduzir os danos ambientais e para tornar o mundo mais inclusivo, diverso e ético em sua esfera negocial.
Ao se negar a reportar suas realizações ambientais, sociais e de governança de longo prazo, a companhia que adota o greenhushing também acaba gerando uma inação climática, uma vez que deixa de atrair novos investidores e talentos pela empatia à sustentabilidade. Pior: a não divulgação de iniciativas sustentáveis em nada contribui para influenciar o mercado e a mudança de hábitos dos cidadãos.
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Embora venha crescendo a responsabilidade da comunicação em relatar as ações de sustentabilidade e de ESG das empresas, não param de surgir novas práticas para fomentar armadilhas nessa jornada. É o caso do greenshifting, outra variante do greenwashing, que ocorre quando uma empresa quer transferir o ônus da crise climática e os desafios da justiça social aos consumidores. A narrativa principal desse tipo de greenwashing é voltado ao fato de que a crise climática começa em casa, quando não reciclamos o nosso lixo, não desligamos aparelhos das tomadas ou adotamos um consumo consciente, ou seja, tece uma cortina de fumaça para as responsabilidades climáticas de governos e empresas.
A narrativa do greenshifting fica bem clara em um antigo comercial da Keep America Beautiful, organização norte-americana que reunia empresas de bebidas e embalagens, da década de 1970, quando surgiram os primeiros ativistas ambientais. O anúncio[6] trazia a figura de um indígena norte-americano, remando em sua canoa típica de casca de árvore, inicialmente em águas límpidas e na natureza. Depois, aparece lixo na água, poluição que vem das margens, até ele aportar em terra, cheia de lixo. Por último, ele anda até uma rodovia e um passageiro que passa em um carro lança um saco de lixo na direção do indígena e o conteúdo se espalha aos seus pés e ele derruba uma lágrima.
O indígena não era indígena, mas um ator ítalo-americano, que se transformou em “pele vermelha” por blackface e a mensagem nada tinha de ecológica. No anúncio, o descarte de resíduos sólidos na natureza – atribuídos aos consumidores – escondia uma campanha para combater leis para adoção de embalagens reutilizáveis nos estados americanos e manter as descartáveis, que ampliam o lixo produzido pela população, que chega atualmente a ser de 300 kg per capita.
As práticas de greencrowding, greenhushing e greenshifting possuem muitos pontos em comum, mas não parecem incomodar os participantes diante de possíveis riscos reputacionais e nos levam a acatar uma frase de um dos maiores escritores do realismo fantástico mundial, Gabriel García Márquez, para explicar e amarrar os motivos para rejeitar essas práticas: “Dou valor às coisas não por aquilo que valem, mas por aquilo que significam”.
[1] Disponível em: https://carbontracker.org/
[2] Disponível em: https://unfccc.int/climate-action/race-to-zero-campaign
[3] Disponível em: https://endplasticwaste.org/en/about
[4] Disponível em: https://planet-tracker.org/
[5] Disponível em: https://www.southpole.com/publications/net-zero-and-beyond
[6] Disponível em: https://www.google.com/search?q=USA+announcement+-+of+the+crying+indian&ei
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YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
DANIELE GOBI DE AZEVEDO – Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados e presidente do Comitê de Diversidade & Inclusão da LBCA