No mundo das finanças, as instituições, investidores e gestores de fundos estão a enfrentar crises que, aparentemente, nada têm a ver com o universo deles em si, como a sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, o agravamento da desigualdade social e os desafios da redução da emissão de gases de efeito estufa e da economia descarbonizada.
No segundo trimestre deste ano, os investimentos globais em fundos sustentáveis aumentaram 72%, alertando que as crises estão lastreadas no mundo real e que os investidores querem ter retorno financeiro vinculado a impactos positivos para a sociedade e o planeta.
Os impactos da sustentabilidade chegaram ao sistema financeiro brasileiro, que está a passar por uma mudança de paradigma desde 2018. O PIX, por exemplo, facilita o tráfego de dinheiro entre as contas ou por meio de uma chave pré-cadastrada de forma instantânea, evitando a inserção de números extensos de agência e conta. Além disso, o PIX possibilita o pagamento por código QR estático e dinâmico, seguindo as melhores práticas do continente asiático.
Após o sucesso do PIX, que atingiu a marca de 1 trilhão de reais de transação em apenas 6 meses, um novo sistema iniciado pelo Banco Central, em consenso com a Febraban e as principais associações, foi lançado: o Open Banking, o mais comentado nos últimos tempos.
O conceito principal já está bem descrito na própria denominação – de sistema bancário aberto –, mas muitos questionam como isso de fato funcionará, o que não difere tanto das dúvidas que cercaram o PIX. Fato é que, a partir do Open Banking, tem-se o início de um novo futuro para toda indústria de serviços financeiros. O funcionamento do Open Banking sempre começa pela iniciativa do usuário, seguindo-se, rigorosamente, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), também, em termos de gestão de consentimento para coleta, tratamento e compartilhamento de dados pessoais.
A etapa de iniciação de compartilhamento de dados – fase 2, com início previsto em 15/07 – é feita por meio de consentimento do usuário a confirmar suas informações que deseja importar de uma instituição transmissora (banco A), para uma instituição receptora (banco B). Além disso, com a fase 3, prevista para final de agosto, será possível iniciar o pagamento.
E, por fim, com a fase 4, a expansão do Open Banking para Open Finance. O setor financeiro brasileiro, fortemente regulado, vem buscando sua conformidade com a LGPD, a comunicação com diferentes bases de dados e os interesses dos titulares de dados pessoais. Para tanto, torna-se fundamental o bom entrosamento do Banco Central com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a fim de que o ambiente regulatório não sofra impactos desnecessários.
O maior protagonista no Open Banking é o usuário final, que utiliza serviços e produtos dos bancos. Esse mesmo usuário contará com maior flexibilidade de contratar produtos e descontratá-los de forma simplificada, amigável e dinâmica, pois assim poderá agir no Open Banking, mais especificamente via API (Application Programming Interface), que é uma plataforma interligada entre as instituições financeiras participantes para chamar, comunicar e compartilhar decisões dos usuários.
Pois é aí que salta a questão da governança, o G do ESG. Uma vez que as regras são claras para as instituições financeiras participantes, a criatividade dos empreendedores dará luz a muitos novos produtos e serviços, bem como a melhoria dos atuais.
- Leia também: Começa a 1ª fase do Open Banking
No Open Banking brasileiro, visa-se garantir ao usuário o poder de compartilhar e a liberdade de decidir o que é bom para si. Essa transparência do ambiente permitirá os fast followers de atuarem mais ativamente, gerando ainda mais inovação e disrupção.
Também, o Open Banking trará grande mudança no contexto do social, o S do ESG. Destaquemos dois aspectos dos mais relevantes. O primeiro é a gestão dos dados compartilhados pelo usuário: poderá o usuário gerenciar suas contas dos bancos A, B e C pelo seu app favorito, que pode ser de um outro banco, o D; os dados serão trafegados diariamente e o usuário poderá interromper quando bem quiser.
O segundo é a satisfação do usuário que será elevado à máxima prioridade. O vínculo entre o usuário e a instituição financeira não será mais pelo produto ou serviço contratado, mas, sim, pela experiência e o valor gerado. Nesse contexto, veremos instituições que focarão muito mais na distribuição de produtos e outras centradas mais no relacionamento com o usuário, mas todas lutando para reter usuários em suas respectivas plataformas.
Irão caminhar juntas a inclusão financeira e a social. De se ressaltar que, mesmo no mundo atual, ainda persistem mais de 70 países a vedar mulheres de abrir simples contas bancárias. Com o Open Banking, tal restrição discriminatória poderá ser contornada para permitir a inclusão financeira de milhões de mulheres e, assim, produzir um impacto social positivo. O mesmo vale para o combate ao crime organizado, pois a corrupção e o terrorismo poderão sofrer um grande golpe com a eliminação do uso do dinheiro.
Com rigorosa observância da proteção de dados dos usuários, as instituições poderão inovar seus produtos e serviços de uma forma personalizada. O Open Banking possibilitará que um usuário tenha todas suas contas bancárias de diferentes instituições financeiras participantes em um único aplicativo de sua preferência e gosto.
O mais importante é que esse recurso permitirá o compartilhamento de informações, a fim de oferecer uma personalização total ao usuário. Pensemos, por exemplo, num cliente que faz compras sempre no mesmo supermercado ou quefrequenta o mesmo posto de gasolina, bares e restaurantes preferidos: é natural que, através do Open Banking, seja disponibilizada a tal cliente indicação de um cartão de crédito assim especificamente personalizado.
Ainda dentro das plausíveis projeções feitas, conta-se com o surgimento de múltiplas ferramentas a aplicar a inteligência artificial focadas na educação financeira e na predição de gastos para um bom planejamento financeiro, baseado nos dados compartilhados pelo usuário, no modo consentido. O Open Banking vai muito além de pagamentos e manuseio geral de contas bancárias, já que poderá servir para prestação de informações e abrir um precioso espaço de sugestão de sustentabilidade.
JAE MYUNG LEE – Sócio da Klavi, fintech de Open Banking.
KRISTIAN LEE – B.Sc. in Economics and Business Administration e Computer Science Student, ambos pela
Goethe Universität Frankfurt Am Main, e working student em Portfolio Management na Lloyd Fonds AG.
YUN KI LEE – Sócio fundador da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e mestre em Direito Econômico pela PUC-SP.