Empresas de pesquisa, como a Morningstar, mostram em suas revisões que somente uma pequena parcela dos fundos ESG registrados como Artigo 9 – a categoria mais rigorosa da UE – cumprem em sua totalidade o nível de investimentos sustentáveis exigido pelas regras europeias.
Com isso, gestoras em toda a Europa podem ter de reclassificar centenas de fundos ESG nos próximos meses.
Segundo advogados que acompanham o setor, muitas gestoras de fundos podem ficar sem outra opção a não ser alterar suas designações oficiais de ESG. O resultado é que os clientes que acreditavam ter subscrito o produto ESG mais limpo da União Europeia de repente são deixados com outra coisa.
O conjunto de regras estabelecido pela Europa, em março de 2021, é o mais ambicioso do mundo para investimentos ESG. Contudo, a proporção dos desafios instituídos por essa estrutura – o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR, na sigla em inglês) – começa a aparecer só agora.
Os gestores dizem que nem de longe possuem informações suficientes para cumpri-lo, e o SFDR passa por alterações constantemente, conforme os reguladores percebem lacunas.
O sócio de fundos de investimento da Linklaters em Londres, Rahul Manvatkar, explica que esses fundos mudariam para uma desvalorização ESG menos rígida, conhecida como Artigo 8.
“Posso imaginar que haverá muitas reclassificações do Artigo 9. Por mais que eles não queiram, essa é a trajetória mais provável, à medida que os participantes do mercado procurem resolver como lidar com as regras,” disse Manvatkar.
Muitas gestoras de ativos renomadas já optaram pelo rebaixamento para atender às diretrizes da UE. A Pimco, que reclassificou quatro fundos do Artigo 9 para o Artigo 8, e a NN Investment Partners, do Goldman Sachs, que rebaixou dez fundos, estão entre elas.
De acordo com a Comissão Europeia, um fundo do Artigo 9 “pode investir em uma ampla gama” de ativos “desde que esses ativos subjacentes se qualifiquem como investimentos sustentáveis” e atendam às necessidades de liquidez e cobertura de riscos.
O consultor sênior de políticas do Fórum Europeu de Investimento Sustentável (Eurosif), Hugo Gallagher, cujos membros representam cerca de US$ 20 trilhões em ativos sob gestão. disse que as autoridades “deixaram claro que os fundos do Artigo 9 devem se comprometer a investir quase exclusivamente em investimentos sustentáveis”.
Ele afirma que “Claramente, uma proporção significativa de fundos classificados como Artigo 9 está muito aquém desse patamar”.
Pelos cálculos da Morningstar, os fundos ESG do Artigo 9 representam aproximadamente € 470 bilhões (US$ 470 bilhões) de ativos sob gestão. Nos últimos seis meses, fundos do Artigo 9 equivalentes a € 25 bilhões já foram rebaixados, segundo estimativa de analistas do Barclays liderados por Charlotte Edwards, com base nos dados da Morningstar.
O provedor de dados FE fundinfo informou à Bloomberg que mais de 300 fundos do Artigo 9 registraram um nível de investimentos sustentáveis que passa muito pouco desse patamar, sendo inferior a 90%, e osso os coloca em risco de perder sua classificação.
O número pode ser significativamente maior que esses 300, já que muitos outros não conseguiram fornecer qualquer indicação de suas metas de sustentabilidade.
É exigido pelo SFDR que as empresas classifiquem seus produtos de investimento em uma de três categorias: Artigo 6, que trata apenas dos riscos ESG potenciais; Artigo 8, que deve “promover” características ESG; e Artigo 9, que estabelece “objetivos” ESG mensuráveis.
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A interpretação das regras também é uma dificuldade para os reguladores. Foi solicitado à Comissão Europeia, através das três autoridades de supervisão financeira da UE, mas orientações sobre questões fundamentais sobre como definir um investimento sustentável. Paralelamente a isso, a vigilância sobre o setor ficou sob responsabilidade das autoridades nacionais, e a Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados informou que só intervirá se necessário.
De acordo com estimativa da Morningstar, há cerca de 950 fundos do Artigo 9 e aproximadamente 40% deles possuem uma meta de investimento sustentável menor que 50%. Somente 2,5% destinaram mais de 90% e apenas uma dúzia declarou 100% de investimentos sustentáveis.
A Morningstar estima que no total existem cerca de 950 fundos do Artigo 9 e cerca de 40% deles têm uma meta de investimentos sustentáveis inferior a 50%. Apenas 2,5% destinam mais de 90% e somente uma dúzia registra 100% de investimentos sustentáveis.
Hortense Bioy, diretora mundial de pesquisa sustentável da Morningstar, disse: “Isso nos leva à seguinte pergunta: era isso o que as autoridades reguladoras realmente pretendiam? É provável que não”.
Ainda, ela acrescenta que, de qualquer modo, “o resultado final para os gestores será ou a reclassificação de fundos do Artigo 9 para o Artigo 8 ou a melhoria de suas estratégias de Artigo 9, com a adoção de critérios de investimento mais restritivos”.
Outro ponto trazido por Bioy é de que gestores ansioso para manter suas designações do Artigo 9 agora tentarão “trabalhar de trás para frente”, buscando uma metodologia que viabilize um caminho para atender aos requisitos.
Em sua avaliação, “A verdade é que até isso não funcionará para a maioria dos fundos do Artigo 9”. Portanto, pode ser que o regulador precise oferecer mais esclarecimentos.”
A preocupação com a credibilidade das designações do Artigo 9 resulta dos fluxos significativos que vão para essa categoria. Investidores despejaram cerca de US$ 6 bilhões nesses fundos no segundo trimestre e retiraram mais de US$ 30 bilhões dos fundos do Artigo 8, a designação mais fraca.
Para Gallagher, do Eurosif, ainda que mais gestores de fundos do Artigo 9 atestassem que atendem aos requisitos, as lacunas da maneira como é definido a sustentabilidade significam que no fim das contas os clientes teriam um entendimento limitado. Metas mais altas para os fundos podem na verdade disfarçar definições mais fracas de sustentabilidade, afirma ela.
Nos bastidores, os gestores dizem que a orientação das autoridades da UE para o setor é de ter pelo menos 80% em ativos sustentáveis nos fundos do Artigo 9.
Assim sendo, definir um patamar abaixo desse nível é bastante arriscado, de acordo com o chefe de investimento responsável da Nordea Asset Management, Eric Pedersen.
“Como se pode pensar que isso passaria?” Ele acrescentou que “seria muito estranho” que um fundo com menos de 60% de ativos sustentáveis tentasse se denominar como Artigo 9. ‘“Seria ‘greenwashing’, com garantia quase total de que ele seria pego.”
Por fim, Matthias Breier, gerente de produtos ESG do FE fundinfo, diz esperar que os reguladores se expressem logo sobre o tema. Ele acrescentou que quando os fundos começam a “informar ao mercado que não estão 100% alinhados com métricas sustentáveis, esperamos que as autoridades locais entrem em ação e lhes digam que não podem ter um fundo de Artigo 9”.
Fonte: Valor Econômico
Autores: Frances Schwartzkopff e Greg Ritchie