O desafio do desenvolvimento sustentável está ligado à amplitude do conceito e a necessidade de escolhermos a resposta moral correta para nossa época, afirma o economista Jeffrey Sachs, um dos responsáveis pela construção do conceito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[1] da ONU. A resposta moral pode ser encontrada nos pilares ESG, enquanto boas práticas ambientais, sociais e de governança que, dentro das corporações, dialogam com os ODS e com as demandas das partes interessadas ou stakeholders (clientes, profissionais, investidores, parceiros negociais, ONGs, agência reguladoras etc.).
LEIA MAIS: Reino Unido e França impulsionam o mercado global de créditos de biodiversidade
A sustentabilidade implica no fato de as empresas buscarem integrar as práticas de crescimento com os compromissos planetários. Essa necessidade já vem sendo expressa em estudos e pesquisas, como da Edelman (Trust Barometer 2023) para medir o nível de confiança global nas instituições.[2] A pesquisa deste ano ouviu online 32 mil pessoas em 28 países e demonstrou que para 62% dos entrevistados as corporações são as únicas instituições confiáveis, decorrentes de dois fatores – competência e ética – capazes de resolver os grandes problemas da humanidade, como as mudanças climáticas, desigualdade econômica, requalificação para o trabalho e injustiça racial.
A percepção de confiança nas corporações, que vem crescendo recentemente na sociedade, tem como um dos caminhos a adoção dos critérios ESG. A confiança que a pesquisa revela em relação às empresas tece uma fina trama entre o papel corporativo e as necessidades da sociedade, esperando que as empresas apresentem soluções voltadas a impactar positivamente as pessoas.
A palavra confiança etimologicamente vem do latim confidere, que significa estabelecer um vínculo, seja pessoal, institucional ou religioso e é utilizada como sinônimo de fé ou credibilidade. A relação do mundo corporativo com as partes interessadas (stakeholders) vem nesse sentido se estabelecendo em novas bases, dentro de expectativas e demandas que foram assentadas sobre as fundações da sustentabilidade. Dessa forma, a pressão para o incremento de práticas ESG nas corporações se amplia, até porque o total de capital alocado para fundos verdes cresceram em volume histórico, o que também se traduz por confiança e expectativa positiva dos investidores e demais partes interessadas nas corporações.
O Brasil traz um bom exemplo para consolidar a confiança do mercado ao criar a norma ABNT PR2030- ESG, aplicável a empresas de todo porte ou setor. Ela estabelece conceitos e parâmetros para definir métricas e estratégias para estabelecer eixos, temas e critérios para atendimento dos pilares ESG. Utiliza em sua elaboração outras normas, como ISO 9001 (Sistema de Gestão de Qualidade), ISO 14001 (Sistema de gestão ambiental) ISO 2600 (Diretrizes de Responsabilidade Social), ISO 3100 (Gestão de Riscos), dentre outras. A exemplo de outras Normas ABNT, a PR2030-ESG também passará por ajustes ao longo de sua jornada de aplicação nas organizações, que atravessa uma série de fases, do diagnóstico e planejamento até monitoramento e comunicação.
Em termos da formulação de uma taxonomia única global, a International Sustainability Standards Board (ISSB), da IFRS Foundation, saiu na frente e lidera a criação de uma base global de padrões para relatórios ESG. Durante a COP 26 (outubro de 2021), lançou dois padrões (S1 – informações financeiras referentes à sustentabilidade e S2 – Divulgações voltada ao clima), que utilizam trabalhos já criados por outras organizações, como a Climate Disclosure Standards Board (CDSB), a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD), o Conselho de Normas de Contabilidade de Sustentabilidade (SASB) e outras.
Também estabeleceu memorando de entendimento com o GRI (Global Reporting Initiative) para a definição de padrões, além de manter-se aberta a milhares de sugestões enviadas. Vários países estudam adotar a norma, como Brasil, Reino Unido, Canadá e Cingapura, dentre outros. Agora, só falta contar com a aprovação da Organização Internacional da Comissão de Valores Mobiliários (IOSCO) para avançar na aplicabilidade global.
Diante desse cenário impositivo, as empresas devem de forma mais incisiva mitigar seus riscos ESG, medindo com rigor seu desempenho e conhecendo o tamanho de seus impactos ambientais, sociais e de governança. O próprio Fórum Econômico Mundial (WEF) e a ONU já sugeriram a padronização dos dados nos relatórios ESG para facilitar o olhar de todas as partes interessadas e coibir o greenwashing (divulgação de dados fraudados sobre ESG e sustentabilidade).
Enquanto se espera a adesão ao padrão global, empresas da área financeira e de alimentos e bebidas nacionais vêm adotando o modelo GRI em seus relatos integrados. Bastante difundido internacionalmente, ele é eficiente para comunicar os impactos positivos e negativos sobre o meio ambiente, a sociedade e a economia. Há, ainda, outros frameworks disponíveis, como o Sustainable Development Goals (SDGs), da ONU, cujo enfoque social é maior, ou o Sustainability Standards Board (SASB), que muda conforme o mercado de atuação da empresa.
A trajetória da gestão ESG, desde seu início, se confunde com o conceito de sustentabilidade. Embora haja pontos em comuns, os dois termos possuem significados diferentes. A referência inicial sobre a sustentabilidade ocorreu em 1972, partindo de duas fontes. Uma, do Clube de Roma, que reunia um grupo de notáveis voltados a pensar as grandes questões do planeta e que produziu um estudo referência intitulado “Os limites do Crescimento”, no qual projetou que haveria o fim dos recursos naturais, caso continuasse a exploração de insumos em ritmo mais acelerado do que a Terra seria capaz de se regenerar. A outra menção veio da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, cuja agenda envolvia o binômio crescimento e sustentabilidade, sempre lembrando que a crise ambiental é também social e ética.[3]
O conceito de sustentabilidade que se popularizou, contudo, surgiu a partir do Relatório Brundtland (1987), nome atribuído em referência à Primeira Ministra Norueguesa, Gro Harlem Brundtland, que presidiu a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para a ONU. A síntese sobre o termo sustentabilidade está contida no seguinte trecho do relatório: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.[4] No plano da academia, a interconexão entre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável vem evoluindo em diferentes esferas cognitivas e gerando novos saberes.
Além da ciência, a evolução do conceito de sustentabilidade ganhou musculatura nas reuniões da ONU sobre o clima, como a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (Rio+20), por exemplo. O documento também se comprometia com a erradicação da pobreza e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).[5]
Nesse ritmo de maturação do conceito de sustentabilidade, em 2015, um novo capítulo veio à tona com a aprovação da Agenda 2030 da ONU pela cúpula da organização, considerada a maior iniciativa de sustentabilidade do mundo, focando em metas e soluções para a construção de mundo mais justo e colaborativo. Foram priorizados 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) interdependentes e voltados à sustentabilidade, um compromisso que começou a ser gestado durante a Conferência Rio+20, em 2012.
LEIA MAIS: Atuação das instituições contra o assédio e relação com ESG
Embora o meio ambiente seja o eixo inicial ao qual o conceito de sustentabilidade foi vinculado, ele acabou expandindo sua abrangência e tornando-se um conceito “guarda-chuva”, segundo o qual a humanidade deve empregar os recursos disponíveis para viver e se desenvolver, provendo as necessidades vindouras, sem causar impactos negativos ao planeta. Para proteger um animal é preciso assegurar a integridade do ecossistema em que ele vive; para prevenir da escassez de água é necessário que as indústrias reduzam seu uso nas suas linhas de produção; para evitarmos soterrar o planeta em lixo, é necessário adotar gestão de resíduos, logística reversa, coleta seletiva, dentre outras medidas. O guarda-chuva de sustentabilidade tem um espectro tão grande quanto a vida sobre a Terra e impõe um escolha moral a todos.
Os desafios da sustentabilidade, desde o Relatório Brundtland, era crescer economicamente sem causar danos à natureza, como ensejado pelos países desenvolvidos. Afinal, as populações dos países que menos contribuíram para a crise climática são aqueles que estão sofrendo os maiores impactos negativos desse modelo insustentável. Para tanto, será necessário consolidar a base da vida sustentável, superando as desigualdades econômicas e a pobreza. De acordo com o Global Multidimensional Poverty Index da ONU, cerca de 1,3 bilhão de pessoas ainda vivem em situação de pobreza em 107 países em desenvolvimento.
Nesse contexto de desafios da sustentabilidade está presente o enfrentamento global à pobreza , ou seja, atuar de coletiva e colaborativa envolvendo todos os agentes. O Banco Mundial, por exemplo, criou um Banco de Dados Global de Sustentabilidade Social, edificado sobre três pilares: redução da pobreza, capital humano e desigualdade. Um dos pontos principais da solução é a inclusão dos grupos minorizados.
Nem sempre, porém, esse tipo de ação é clara para os governos, empresas e pessoas individualmente, como outros pontos da sustentabilidade, como comentam consultores do Banco Mundial: “Quando as florestas tropicais são destruídas, entendemos o que se perde; quando a hiperinflação acaba com a riqueza, os custos da má administração econômica são claros. Mas como é a sustentabilidade quando as pessoas estão em jogo, quando a desigualdade leva à agitação social ou projetos de infraestrutura que destroem comunidades indígenas?”.[6]
Para Sachs, “o desenvolvimento sustentável é o desafio mais sério e complexo que a humanidade alguma vez teve de enfrentar. Só as alterações climáticas seriam extraordinariamente difíceis, mas, a estas temos de acrescentar os desafios de um mundo cada vez mais urbanizado, de um grande processo de extinção em curso devido ao domínio humano dos ecossistemas, de uma população em crescimento, da sobre-exploração dos recursos dos oceanos e da terra, do comércio ilegal em grande escala”.[7]
Sustentabilidade deve ser vista como um fenômeno para garantir a continuidade da vida terrena, ou um desenvolvimento sustentável com o pensamento nas ações presentes e futuras, sem prejuízo de vida quanto aos recursos naturais, é uma forma de resguardar, de preservar um direito fundamental, o bem natural como fonte de subsistência. A comunidade atual não deve apenas pensar em sustentar recursos disponíveis, mas, de forma satisfatória, propiciar melhores condições às gerações futuras. É o agir momentâneo com reflexos futuros.
As corporações compromissadas com os critérios ESG encampam vetores de confiança para se tornarem agentes de transformação social, respondendo às necessidades das partes interessadas e criando valor para seus negócios. A sustentabilidade, por sua vez, vai mais longe e trata de mensurar como as empresas impactam o planeta. Ambas, estabelecem, dessa forma, métricas que consideram confiáveis, numa espécie de balança global , para sopesar em que medida o futuro do mundo terá mais ou menos equilíbrio ambiental, social e de governança.
[1] SACHS, Jeffrey D. A Era do Desenvolvimento Sustentável.Lisboa: Actual, 2017
[2] EDELMAN.Edelman Trust Barometer 2023. Disponível em: https://www.edelman.com/sites/g/files/aatuss191/files/2023.01/2023%20Edelman%20Trust%20Barometer%20Global%20Report.pdf
[3] HUNT, Vivian; YEE, Lareina; PRINCE, Sara; DIXON-FYLE, Sundiatu. Delivery Through Divrersity.
[4] COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988.
[5] Oxford Poverty & Human Development Initiative (Ophi). Global Comparisons. 2021a. Disponível em: https://ophi.org.uk/multidimensional-poverty-index/global-comparisons/
[6] BANCO MUNDIAL. Sustentabilidade social: uma lacuna crítica na agenda de desenvolvimento Global, 2023. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/developmenttalk/social-sustainability-critical-gap-global-development-agenda
[7] Idem 1.YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
SANTAMARIA NOGUEIRA SILVEIRA – Jornalista, gerente de conteúdo da LBCA, doutora pela ECA-USP e mestre pela FFLCH-USP
PATRICIA BLUMBERG – Diretora de ESG da Lee, Brock, Camargo Advogados e Master em Digital Communication pela Westminster Kingsway College London