Do misticismo à inovação: a Terra do Dragão que minerou o futuro com ESG e Bitcoin

Do misticismo à inovação: a Terra do Dragão que minerou o futuro com ESG e Bitcoin
Butão emerge como um país inovador no cenário global dos criptoativos, unindo sustentabilidade ambiental com avanços tecnológicos

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No sul da Ásia, em meio à majestosa cordilheira do Himalaia, o Butão emerge como um país inovador e influente no cenário global dos criptoativos, unindo uma visão de sustentabilidade ambiental com avanços tecnológicos de ponta. Conhecido mundialmente por seu compromisso excepcional com o meio ambiente, o Butão é o único país com emissões de CO2 negativas, ostentando 85% de seu território coberto por florestas densas.

Tanto que sua abordagem sustentável pode ser comparada ao do mítico paraíso de Shangri-lá, no romance Horizonte Perdido de James Hilton, destacando o Butão como uma nação onde o progresso e a serenidade coexistem. Esta dedicação inabalável à sustentabilidade torna o Butão não apenas um exemplo, mas um laboratório natural para explorar o potencial cripto dentro do framework ESG (Ambiental, Social e Governança).

O PIB do Butão totaliza modestos US$ 3 bilhões, com uma renda per capita de US$ 4.010. Somente a título de comparação, o PIB brasileiro em 2024 foi de US$ 2,179 trilhões e a renda per capita é mais do que o dobro da butanesa. Contudo, o Banco Asiático de Desenvolvimento estima que o PIB do Butão poderá crescer 7% este ano.[1]

No ranking da felicidade mundial, publicado pela Organização das Nações Unidas em parceria com o instituto de pesquisa Gallup e a Universidade de Oxford, uma avaliação dos países com base seis fatores – PIB per capita, expectativa de vida saudável, apoio social, sentimento de liberdade, generosidade e percepção de corrupção – o Butão está apenas entre os 50 países melhores ranqueados no ano passado; mas ficou famoso desde 2008  por medir a Felicidade Nacional Bruta (FNB)  de sua população de um milhão de habitantes, ignorando os fatores econômicos.

Diante de uma realidade, que cobra modernização e inovação do país, o interesse com o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou. Entre outras demandas, o Butão precisava aumentar as receitas que vinham principalmente do turismo (US$ 88,6 milhões ao ano) e estancar o número de jovens que estão deixando o país em busca de condições melhores para trabalhar e estudar na Austrália e no Canadá, trazendo desequilíbrio populacional.

Com uma das maiores reservas de água do mundo e grande altitude, a geração de energia hidrelétrica foi uma resposta imediata para fomentar o desenvolvimento em curto espaço de tempo, sendo que até 1966 o país não tinha eletricidade. Agora, contudo, a pequena nação desponta como sendo inovadora, ao explorar suas hidrelétricas ecologicamente corretas para minerar Bitcoins.

A partir de 2019 e 2020, o país se abriu à mineração de Bitcoins e fornecedores de equipamento de mineração, sem muito alarde. A dimensão das operações de criptos só vieram a público pela mídia em 2023, porque dois de seus credores (BlockFi e Celsius) estavam em processo de falência.[2]

Os projetos do novo Butão estão lastreados em dois polos principais, sem perder sua forte aderência com o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança): uma nova região administrativa especial (Mindfulness City em Gelephu) para atrair novos investidores e serviços financeiros, além da intensa mineração de criptoativos.

A nova cidade terá 1.000 quilômetros quadrados, sendo que as construções não podem ser mais altas que as árvores próximas. A designação Gelephu Mindfulness City ou Cidade da Atenção Plena carrega um termo disseminado no Ocidente, “atenção plena”, que já frequenta as corporações de todo o mundo há décadas como ferramenta para atingir o bem-estar, mas cuja origem está no budismo, prática espiritual, predominante no Butão.

Para o rei butanês, conhecido como rei Dragão, Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, esses novos investimentos estão “abrangendo negócios conscientes e sustentáveis, inspirados pela herança espiritual budista e distinguidos pela singularidade da identidade butanesa”, um discurso pautado pelo ESG.[3]

Para a Mindfulness City – que terá a estrutura de uma mandala, ou seja, uma representação do cosmo e da mente – serão convidadas empresas em sintonia com o modo de vida butanês, centradas em energia, conectividade e habilidades sustentáveis.

O segundo e maior polo de investimentos e inovação do Butão, porém, está no ingresso do país no criptoverso, com uma intensa mineração de Bitcoins. A proposta teve início em 2019, através da Druk Holding & Investments (DHI), aproveitando os recursos energéticos do país, uma vez que 99,5% da eletricidade do Butão vem de hidrelétricas, energia limpa, abundante e barata. A capacidade de mineração do Butão deve chegar a 500MW.

Para colocar a mineração em escala, o Butão importou, somente em 2021, US$ 51 milhões em chips de computador e, no ano seguinte, US$ 142 milhões, além de hardwares e softwares. Atualmente, além da DHI, o Butão conta com a parceria da mineradora de Bitcoin Bitdeer, de Cingapura, que ampliou sua capacidade de mineração.

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Os projetos de inovação do governo butanês têm apoio da população e isso fica claro em pesquisa realizada em 2023, que apontou que 91% dos respondentes estão cientes da mineração digital, pretendem usar criptoativos e são favoráveis a este tipo de investimento.[4]

Com a perspectiva de novo desenvolvimento que gere prosperidade a todos, com investimentos pesados na mineração de criptoativos e edificação da Gelephu Mindfulness City, o Butão atende ao fator social do ESG, porque promove empregos e inclusão financeira e torna as transações financeiras transfronteiriças mais baratas.

Em setembro de 2024, a empresa Arkham Intelligence, especializada em inteligência blockchain, revelou que que havia encontrado a primeira carteira vinculada ao departamento de investimentos do governo do Butão, a Druk Holdings (Dragão do Trovão).[5]

Na época, o país contava com mais de 13.000 BTC, equivalente a US$ 1 bilhão e o do dobro das reservas de Bitcoin de El Salvador, o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda legal.[6] As operações de mineração estavam gerando ao país mais de 8,6 BTC por dia, comprovando sua vasta capacidade hidroelétrica.

A intensa mineração de criptoativos realizada em um curto período levou o Butão a conquistar o quarto lugar entre os países com maiores reservas desses ativos – que incluem Bitcoin, Ethereum e BNB –, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Reino Unido. Atualmente, o valor acumulado equivale a 30% do PIB do país. Essa trajetória única rumo à mineração digital sustentável destaca-se no cenário global. Apenas o data center de Gedu, que opera com 11 mil máquinas, já planeja expandir sua capacidade para incluir mais 30 mil unidades.[7]

Coincidentemente, a cor e a finalidade de reserva do Bitcoin coincidem com a bandeira nacional do Butão, também conhecido como a Terra do Dragão. O dragão branco representa a pureza e a identidade com a paz, enquanto as joias que o animal segura nas garras simbolizam a riqueza espiritual e material, em suma, a prosperidade do país. O fundo da bandeira reúne duas cores no formato de losango: o amarelo, que simboliza a tradição civil e a autoridade do rei, e o laranja, a herança espiritual budista, a cor dos mantos dos monges.

Nos últimos meses, o governo do Butão vem transferindo parte dos Bitcoins de sua carteira principal — que atualmente acumula cerca de 9.000 BTC — para outros endereços. Essa movimentação é geralmente interpretada como uma preparação para a realização de ganhos.

Tal estratégia reveste-se de grande importância, pois reforça o status financeiro do país em meio às constantes mudanças das políticas econômicas globais e abre a possibilidade de capitalizar um novo ciclo de valorização do Bitcoin, gerando oportunidades para quitar dívidas e expandir seu impacto econômico. Ao adotar práticas inovadoras, o Butão reafirma seu compromisso com a diversificação da economia, que atualmente depende 70% do setor agrícola.

Por fim, os butaneses, com suas inovações sustentáveis em mineração de criptomoedas, utilizam energia limpa e práticas socialmente responsáveis. À medida que o país avança em sua jornada de modernização, reafirma a tese de que inovação tecnológica e responsabilidade ambiental podem desfrutar de coexistência harmoniosa. Com um futuro promissor adiante, o Butão não apenas desafia normas econômicas globais, mas propõe um modelo viável de prosperidade integral.


Yun Ki Lee – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito