Agenda ESG começa a caminhar nos esportes

Agenda ESG começa a caminhar nos esportes
O primeiro ranking de sustentabilidade no futebol, que utilizada métricas ambientais, sociais e de governança (ESG), foi divulgado em 2023.

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Ainda é tímido o legado ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) e de sustentabilidade no futebol e em megaeventos esportivos. A consultoria Brand Finance divulgou neste ano o primeiro ranking de sustentabilidade no futebol usando métricas ambientais, sociais e de governança. O Liverpool FC (Inglaterra) liderou a pesquisa com seu programa de sustentabilidade, que compensa 435 toneladas de CO2 nas atividades diretas do clube e por dispor de um hub online para influenciar torcedores, chamado The Red Way, entre outras iniciativas. Em segundo e terceiro lugares, respectivamente, aparecem o Real Betis e Real Madrid, ambos da Espanha.

Os megaeventos esportivos internacionais, especialmente ligados ao futebol, possuem um desempenho igualmente discreto. Durante a Copa do Mundo Feminina de Futebol (FWWC-2023), por exemplo, realizada neste mês na Austrália e na Nova Zelândia, os pilares ESG foram aplicados timidamente, mas com mais eficácia do que no campeonato masculino, disputado em 2022 no Qatar, que seria primeira Copa neutra em carbono. Essa afirmação ensejou discussões em decorrência das muitas ressalvas à sustentabilidade e foi parar nos tribunais de Zurique (Suíça), sede da Fifa. 

O gerenciamento da sustentabilidade na Copa do Mundo Feminina foi mais eficaz. Dois dos dez estádios que sediaram as partidas foram certificados como construções verdes, envolvendo uso de energia e água, gramado orgânico, reciclagem etc. Mas não se falou de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), embora a Fifa garanta que o impacto ambiental de todo o evento será compensado com créditos de carbono. 

Essa é uma forma mais descompromissada de estabelecer metas contra a crise climática porque, ao propor carbono neutro, o organizador do evento irá compensar as emissões por meio de projetos ambientais. Quando um evento opta pela meta de atingir emissões zero líquido, vai além, pois atua para zerar as emissões, adotando objetivos mais amplos de sustentabilidade, em sintonia com a redução da temperatura planetária, de acordo com o estipulado pelos termos do Acordo de Paris, com limitação de aquecimento em até 2°C e esforços para permanecer em 1,5°C. 

Quem pensa que net zero/carbono zero/zero emissões líquidas não passam de conceitos similares da ciência para vencer a crise climática, se engana. É um caminho de metas e critérios diferentes voltados para todos os tipos de atividades, – privadas ou públicas – que precisam ser operacionalizados para atingir resultados e superar a elevação das emissões nocivas ao planeta e à vida na Terra, causadas pela atividade humana. Como afirma a revista Nature, a transição para emissão líquida zero seguirá caminhos diferentes em inúmeros países, tangenciando prioridades e esforços até 2050, data para alcançarmos a neutralidade climática.

Os ambientalistas de Austrália e Nova Zelândia queriam mais critérios ESG vigorando na Copa do Mundo Feminina de Futebol, como proibir anúncios de empresas poluidoras, como irá acontecer nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, que vetou o patrocínio de companhias de plásticos de uso único e de energia fóssil. Os ambientalistas também consideram que eventos mundiais não deveriam ocorrer em sedes distantes porque isso aumenta a fonte de emissões com o deslocamento de atletas, equipes técnicas e torcedores. Uma Copa mais regionalizada poderia atrair o interesse dos torcedores locais e custar mais barato ao meio ambiente.

Mas a discussão sobre sedes de eventos esportivos não se esgota na distância. Há pressão popular contra eventos esportivos em países menos democráticos, com maiores desigualdades e pouca inclusão e favorável a sedes que incentivem a sustentabilidade, observem os direitos humanos e a gestão ética. Há uma busca por proatividade, envolvendo os interesses de todas as partes interessadas, os stakeholders, caso dos patrocinadores, investidores, dirigentes, torcedores, colaboradores, fornecedores, comunidade, governos, mídia etc. A Copa Feminina manteve o equilíbrio, uniu a Austrália, um dos maiores exportadores mundiais de gás e carvão, a exemplo do Qatar – grande produtor de petróleo – tendo como contraponto a Nova Zelândia, possuidora de uma matriz energética com 80% de fontes renováveis.

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Quase tudo deu certo na Copa feminina, até em termos de mais audiência e patrocínio. O senão ficou no pilar social do ESG, por conta da polêmica do beijo na boca, não consensual, dado pelo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luís Rubiales, na atacante espanhola Jenni Hermoso após a vitória da Espanha sobre a Inglaterra, em Sydney (Austrália). A despeito de o presidente dizer que foi um beijo de confraternização, um gesto natural pela vitória, a ministra interina da Igualdade da Espanha, Irene Montero, foi enfática em uma rede social: “Não vamos presumir que beijar [alguém] sem consentimento é algo que simplesmente ‘acontece’. É uma forma de violência sexual que as mulheres sofrem diariamente… Não podemos normalizar isso. O consentimento é [essencial]”. A comentarista esportiva do jornal El País foi na mesma linha e classificou o beijo como “uma agressão”. 

Beijar uma mulher sem o seu consentimento é um comportamento sexista, regra básica do letramento de gênero. No final da Copa do Mundo, os homens recebem um aperto de mão e/ou abraços dos cartolas, comissão técnica e colegas. Isso não basta para as mulheres? Há duas versões sobre a posição de Jenni: no vestiário, ela teria dito que “não gostou”; na nota divulgada à imprensa, a Federação espanhola viu o beijo como um gesto de “carinho e gratidão”. Enfim, foi desconfortável para a imagem da Espanha. Anteriormente, o país já teve de demitir, em 2015, o então técnico da seleção feminina de futebol, Ignacio Quereda, por assédio sexual, homofobia e comportamento considerado intimidante. Para Rubiales, sua conduta foi normal e quem viu outra coisa, para ele, disse “idiotices”. Mesmo contrariado, teve de pedir desculpas públicas.

Era inevitável que o sexismo entrasse em campo na Copa feminina e essa postura começou na preparação dos juízes que atuariam nos jogos. A Fifa convocou apenas jogadores masculinos para essa preparação, embora houvesse atletas femininas voluntárias. Foram usados cerca de 50 jogadores por dia para essa atividade remunerada.

A questão de dois pesos e duas medidas entre atletas homens e mulheres ainda está presente em várias modalidades e o futebol não é exceção, até porque sempre foi um esporte essencialmente masculino e machista. Isso ficou evidente quando as primeiras árbitras entraram em campo no Brasil para apitar jogos. Ouviram de tudo, xingamentos, palavrões e comentários machistas. O país até teve um decreto-lei que impedia mulheres de jogarem futebol, que durou quatro décadas (1941-1979). Para quem ainda tem dúvidas sobre a exclusão de gênero nos campos de futebol, deve lembrar que somente na Copa de 2022 a francesa Stéphanie Frappart apitou, pela primeira vez, um jogo de Copa do Mundo, cuja primeira edição ocorreu em 1930.

Todo mundo sabe que os esportes de massa têm grande poder de conscientizar o público e incentivar atitudes ESG. Também podem influenciar os cartolas, os torcedores e os formuladores de políticas públicas nos esportes em todo o mundo. Aproveitar esses eventos enquanto catalisadores da agenda ESG pode trazer importantes mudanças culturais sobre a crise ambiental, a diversidade, equidade e inclusão, a justiça racial e mais participação para os grupos minorizados, embora não exista uma única fórmula que possa ser aplicada a diferentes países.

A desigualdade no esporte tende a ser mitigada quando há uma pluralidade de vozes para opinar, sugerir caminhos que levem à justiça de gênero e mais inclusão de grupos sub-representados. A primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos foi em 1896 e seu criador, o Barão de Coubertin, promoveu a exclusão feminina, ao dizer que as Olimpíadas com mulheres seriam “desinteressantes, antiestéticas e impróprias”. As atletas somente vieram a competir oficialmente em 1900, nos Jogos de Paris.

A despeito de um passado restritivo, muitas experiências positivas no âmbito do pilar “S” vêm surgindo em megaeventos esportivos, caso da Olimpíada de Tóquio (2021), que conseguiu ser neutra em termos de gênero. A participação mista começou na abertura, permitindo que uma atleta feminina e um atleta masculino carregassem a bandeira de seu país. Nessa edição, as mulheres passaram a competir em eventos antes vetados, como os 1.500 estilo livre – e aconteceram 18 jogos mistos de gênero nas equipes de judô, vela, natação, tênis de mesa, hipismo, atletismo, tênis, triatlo etc. Nas equipes, atuaram em conjunto 50% de homens e 50% de mulheres e isso foi uma inovação, uma abertura quanto à igualdade de gênero.

Nos megaeventos esportivos, os estereótipos de gênero e que abrangem outros grupos minorizados estão fortemente presentes na cultura de diferentes países, inclusive o Japão. Contudo, não foi empecilho para se obter avanços que não se resumem em propiciar a participação de atletas que sempre foram historicamente excluídos. A inclusão de gênero não pode ficar somente na mudança da narrativa, mas precisa levar em conta as experiências de mulheres e meninas que são as que efetivamente sofrem as discriminações e exclusões nas disputas desportivas. 

No Brasil, a nova Lei Geral do Esporte (Lei 14.597, de 14 de junho de 2023) traz diretamente em seus dispositivos os comandos de democratização, educação, inclusão e participação como princípios fundamentais, dentre outros (art. 2º), e acena para uma proximidade dos pilares ESG. Quanto à participação da mulher no esporte, é expresso como sendo um direito da mulher, em qualquer idade, ter oportunidades iguais de participar em todos os níveis e em todas as funções de direção, de supervisão e de decisão na educação física, na atividade física e no esporte, para fins recreativos, para a promoção da saúde ou para o alto rendimento esportivo (art. 3o. § 3º).

Para se ter melhor noção quanto à essencialidade da mulher no esporte, basta uma simples busca pelo termo “mulher” na Lei Geral do Esporte para se deparar com outros comandos especialmente dedicados em vários dispositivos[1]: art. 36, IX e XI; art. 86, § 10; art. 87, caput e art. 201, § 7º.

Mas mesmo essa efetiva Lei Geral do Esporte apresenta um ato falho de terminologia, nada tão lesivo, mas que revela a enorme dificuldade de se desprender de vez do uso da palavra “homem” no lugar de “pessoa”. Somente a título de curiosidade, o “art. 64, I – diligência: caracterizada pela obrigação de gerir a organização com a competência e o cuidado que seriam usualmente empregados por todo homem digno e de boa-fé na condução dos próprios negócios”. Naturalmente, por “todo homem digno” deve-se ler “toda pessoa digna”.


[1] Art. 36, IX e XI – Somente serão beneficiadas com repasses de recursos públicos federais da administração direta e indireta e de valores provenientes de concursos de prognósticos e de loterias, nos termos desta Lei e do inciso II do caput do art. 217 da Constituição Federal, as organizações de administração e de prática esportiva do Sinesp que (…) assegurem a existência e a autonomia do seu conselho fiscal e a presença mínima de 30% (trinta por cento) de mulheres nos cargos de direção (…) e que (…) garantam isonomia nos valores pagos a atletas ou paratletas homens e mulheres nas premiações concedidas nas competições que organizarem ou de que participarem.

. art. 86, § 10 – O atleta profissional poderá manter relação de emprego com organização que se dedique à prática esportiva, com remuneração pactuada em contrato especial de trabalho esportivo, escrito e com prazo determinado, cuja vigência não poderá ser inferior a 3 (três) meses nem superior a 5 (cinco) anos, firmado com a respectiva organização esportiva, do qual deverá constar, obrigatoriamente: (…) § 10. Os contratos celebrados com atletas mulheres, ainda que de natureza cível, não poderão ter qualquer tipo de condicionante relativo a gravidez, a licença-maternidade ou a questões referentes à maternidade em geral.

. art. 87, caput – Convenção ou acordo coletivo de trabalho disporá sobre a regulação do trabalho do atleta profissional, respeitadas as peculiaridades de cada modalidade esportiva e do trabalho das mulheres, bem como sobre a proteção ao trabalho do menor.

. art. 201, § 7º – Promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores ou aos árbitros e seus auxiliares em eventos esportivos: Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. (…) As penalidades previstas neste artigo serão aplicadas em dobro quando se tratar de casos de racismo no esporte brasileiro ou de infrações cometidas contra as mulheres.


YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
TEREZA CRISTINA OLIVEIRA RIBEIRO VILARDO – Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), mestranda em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie e MBA em Gestão de Empresas pela FGV