Com respostas consideradas eficazes aos impactos econômicos e sanitários impostos pela pandemia da Covid-19, a Coreia do Sul lançou em julho um pacote de estímulos ao Korean New Deal: National Strategy for a Great Transformation[1], a servir de base e guiar seus próximos 100 anos, apoiado nos eixos centrais dos fatores ESG (Environmental, Social and Governance).
O governo coreano irá investir US$ 144 bilhões até 2025 para enfrentar desafios com base em 3 pilares: o Digital New Deal, com uma nova era de hiperconectividade e superinteligência, valendo-se da IA e do 5G; o Green New Deal, com reversão da corrente realidade econômica vinculada ao combustível fóssil para atingir emissões líquidas zero de carbono até 2050, sendo o primeiro país asiático a assumir tal compromisso; e o Human New Deal (Stronger Safety Net), com seguridade social e rede para gerar 1,9 milhões de empregos até 2025.[2]
O Green New Deal chega em oportuno momento à economia coreana, que ainda remanesce com o legado construído no acelerado desenvolvimento econômico das décadas de 80 e 90, como a estruturação financeira, o robustecimento dos conglomerados e o engajamento do sistema tributário a esse modelo.
Com a guinada dos principais países desenvolvidos para criar novos propulsores de suas economias, também a Coreia do Sul busca uma maior autonomia do modelo econômico industrial, em anseio e necessidade ao rolar da 4ª revolução industrial.
Mesmo no cenário atual, para fertilizar o solo para novas empresas tecnológicas, é preciso ainda mais estímulos, com vistas a expandir o ecossistema que favoreça os empreendimentos. Daí, a proposta do Digital New Deal.
E para que tudo isso se centre na pessoa humana, no bem-estar individual e coletivo, tem-se o Human New Deal (Stronger Safety Net), mas sem cair no welfare state e, tampouco, no laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même.
De todos os 3 pilares do New Deal coreano, o ambiental é, sem dúvida, o mais desafiador, uma vez que a Coreia do Sul é a 7ª maior emissora de CO2 do mundo, além de outros entraves ambientais. O projeto de ressurgimento da economia coreana visa suplantar os efeitos deixados pela pandemia da Covid-19, na qual a Coreia do Sul apresenta 40 mortes por 1 milhão de habitantes, um resultado pior que o da China de 3 mortes, mas bem melhor que o do Japão de 120 mortes (dados do Worldometer em 22/07/2021).
A economia coreana soube bem atenuar os impactos da pandemia, tanto que apresentou a menor recessão, no ano passado, entre os países membros da OCDE, com recuo de apenas 1% do seu PIB.[3]
O New Deal coreano está intrinsicamente ligado aos 3 fatores ESG. A ONU vem reiteradamente alertando que não adianta tratar as questões econômicas e sanitárias da Covid-19 e esquecer a causa ambiental, pois novos surtos econômicos e humanitários advirão da contínua e inconsequente agressão à natureza.
Pesquisadores e ambientalistas advertem que estamos avançando perigosamente sobre o meio ambiente preservado, degradando florestas, habitats, biodiversidades, acelerando mudanças climáticas e criando situações de contato com novos patógenos presentes em animais silvestres, como morcegos, que podem acabar infectando hospedeiros humanos.[4]
O Korean New Deal, em seu espírito, inspira-se no New Deal estadunidense do então presidente Franklin Delano Roosevelt de dar uma resposta para a maior crise econômica vivida pelos Estados Unidos, a Depressão de 1930, que resultou no crash da bolsa, depressão econômica, desemprego em massa, falência de bancos e perda das poupanças dos investidores. Em 100 dias, destinou ajuda a desempregados, iniciou a reconstrução da infraestrutura norte-americana, recuperou parte da economia combalida e a fé no sistema econômico.
A crise sanitária da Covid-19 é considerada muito mais profunda que a Depressão de 1930. O desafio da Coreia do Sul, portanto, ganha mais amplitude, principalmente, diante do pilar ambiental. De acordo com o Climate Chance Perfomance Index – que monitora o desempenho da proteção climática de 57 países e União Europeia responsáveis por 90% das emissões globais de gases de efeito estufa –, com base em 14 indicadores, a Coreia do Sul ocupa o 53º lugar nesse ranking climático.
O Brasil está em 25º, pois, entre países do G20, tem a quota mais alta de fontes renováveis de energia (38%), segundo relatório Brown to Green, que faz uma revisão sobre a ação climática das 20 maiores economias do mundo. Um alento para nosso país.
Mas, a mesma organização ressalta que as emissões de GEE no Brasil aumentaram 73% entre 1990 e 2016, com tendência de crescimento até 2030 dos gases de efeito estufa, sendo que o país precisará aumentar medidas para atingir a sua meta de contribuição nacionalmente determinada, NDC, até 2030.[5]
O cronograma ambiental coreano ainda não está totalmente definido, uma vez que a Coreia do Sul ainda depende do carvão para mais de 40% de suas necessidades energéticas, e ocupa o 10º lugar entre os consumidores de energia do mundo, sendo a 4ª maior importadora de carvão e a 3ª maior investidora pública de carvão no exterior, tendo destinado mais de US$ 1,1 bilhão em 2016 e 2017. Sua meta no Acordo de Paris é de reduzir em 37% de emissões de gases de efeito estufa até 2030. Mas para cumprir uma meta que tenha efetividade na temperatura do planeta, teria de reduzir o dobro de suas emissões (74%), apontam os monitores independentes.[6]
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) afirma que as atividades humanas, ao causar cerca de 1,0° C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais e com uma variação provável de 0,8° C a 1,2° C, torna provável que o aquecimento global atinja mais 1,5° C, entre 2030 e 2052, caso continue a aumentar no ritmo atual.
Refletindo a tendência de aquecimento de longo prazo desde o período pré-industrial, a temperatura média global observada na superfície (GMST) para o período de 2006–2015 foi de 0,87°C, mais alta que a média registrada no período de 1850-1900.
O aquecimento global antrópico estimado é compatível ao nível de aquecimento observado dentro de ±20%. Atualmente, esse aquecimento estimado vem se elevando em 0,2° C por década, devido a emissões passadas e atuais. Um aquecimento acima da média global anual vem acontecendo em muitas regiões e estações, inclusive sendo duas a três vezes maiores no Ártico.[7]
O governo coreano pretende investir US$ 144 bilhões ao longo de cinco anos, correspondente a 1,1% do seu PIB anual, para substituir a energia a carvão por energias renováveis, em parte pressionada pelo Japão e China que se comprometeram com a neutralidade de carbono em 2050 e 2060, respectivamente. São grandes os desafios coreanos, já que a Coreia do Sul conta com menos de 6% de energia renovável em sua matriz energética.
O Korean New Deal estabelece questões pontuais, como o impulso à estrutura verde, substituindo prédios antigos e residências por instalações ecológicas, investimento em energia limpa, veículos elétricos, etc.
O Korean New Deal, também, guarda vínculos com o Green Deal europeu, iniciativa da Comissão Europeia, que propõe um conjunto de medidas para que a Europa se torne neutra em carbono até 2050 e assim ser o primeiro continente a alcançar tal meta.
Para chegar lá, a Comissão propõe uma Lei Europeia do Clima, um Pacto Europeu para o Clima e um Plano de Metas Climáticas, com efeitos jurídicos vinculantes. Aos europeus, a mudança climática tem o peso de ameaça global, que reclama resposta mundial. Essa perspectiva fica reforçada com as recentes enchentes que afetaram a Alemanha, Bélgica e Países Baixos, deixando centenas de mortos, milhares de desaparecidos e rastros de destruição. Autoridades alemãs reconhecem que o aquecimento global conduziu a esses eventos climáticos extremos e que é preciso atuar de forma mais efetiva e global.[8]
A Comissão Europeia reconhece que as mudanças climáticas estão causando impactos em todos os níveis da sociedade e da economia e que continuará a apoiar o desenvolvimento e implementação de estratégias e plano para ações de adaptação com visão sistêmica.[9]
O Korean New Deal guarda proximidade também com o plano climático do presidente norte-americano Joe Biden, que reconduziu os EUA ao Acordo de Paris e tem sinalizado que pretende ver seu país na vanguarda da economia descarbonizada e com perspectiva holística da questão ambiental, sem separar a ação climática da justiça econômica, ambiental e social, ou seja, com vínculos à agenda ESG. Em seu 1º dia de mandato, Biden editou a Ordem Executiva nº 13990, na qual explica que é política do seu governo ouvir a ciência e dar prioridade à justiça ambiental.
Desde sua instituição em 1964, é a primeira vez que a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), formalmente, eleva um país do status de em desenvolvimento para desenvolvido, como alcançado pela Coreia do Sul, no 68º encontro realizado no último dia de 2 de julho.
Nas últimas décadas, graças ao constante desenvolvimento econômico, cultural e social, sempre fincado na promoção contínua da educação, a Coreia do Sul vem, seguidamente, ganhando reconhecimentos internacionais, que vão desde o Prêmio Nobel da Paz em 2000 (com Kim Dae Jung),[10] o sucesso global das séries televisivas em canais de streaming (como os K-Drama da Netflix)[11] e da música (como os K-Pop das bandas BTS e BLACK PINK),[12] e até das estatuetas do Oscar de melhores filme, filme estrangeiro, diretor, roteiro original, direção de arte e montagem com Parasita em 2020, o primeiro filme não falado em inglês a arrebatar títulos de melhor filme e de melhor filme estrangeiro. Ainda no cinema, neste ano de 2021, em um filme produzido por coreanos e descendentes nos Estados Unidos, Minari: Em Busca da Felicidade, veio a conquista do primeiro Oscar de atuação, de melhor atriz coadjuvante, arrebatado por Yuh Jung Young.[13]
A total imersão da Coreia do Sul às práticas ESG com seu Korean New Deal vem em excelente hora, pois há, certamente, uma emergência climática em curso, com cientistas a ampliar estudos para avaliar até que ponto as pressões humanas sobre o mundo natural estão a elevar a possibilidade de novas pandemias e de riscos climáticos, que podem levar ao colapso dos ecossistemas em todo o mundo.
O IPCC já avalia que há pontos em comum entre a crise do coronavírus e as mudanças climáticas, sendo fundamental projetos como o Korean New Deal para impulsionar políticas de crescimento com máximo respeito ao meio-ambiente e de promoção social realizadas com boa governança.
YUN KI LEE – Sócio-fundador da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de Pós-Graduação em Direito.
JAE MYUNG LEE – Sócio da Klavi, fintech de Open Banking, pós-graduado em Digital Data Marketing pela FIAP e graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Mackenzie.
YIM KYU LEE – Sócio da Cartos, fintech de soluções digitais financeiras, mestre em Economia pela PUC-SP, MBA em Finanças pela FEA-USP e MBA em Tecnologia pela PUC-RS.
KRISTIAN LEE – B.Sc. in Economics and Business Administration e Computer Science Student, ambos pela Goethe Universität Frankfurt Am Main, e Working Student em Portfolio Management na Lloyd Fonds AG.
TAE SUK LEE – Consultor financeiro, MBA em Riscos pela FEA-USP e graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP.
Notas
[1] Acerca do Korean New Deal, conferir o livreto oficial lançado pelo governo coreano, em inglês, em: <https://english.moef.go.kr/skin/doc.html?fn=Korean%20New%20Deal.pdf&rs=/result/upload/mini/2020/07/>.
[2] Dados extraídos de: <https://www.undp.org/blogs/south-koreas-green-new-deal-year-transition>.
[3] Sobre impactos econômicos da Covid-19 na economia coreana, conferir em: <https://thediplomat.com/2021/02/the-impact-of-covid-19-on-south-korean-trade-in-2020>.
[4] A respeito da ameaça de novas pandemias, ver em: <https://www.unep.org/resources/report/preventing-future-zoonotic-disease-outbreaks-protecting-environment-animals-and>.
[5] Dados extraídos de: <https://ccpi.org/download/the-climate-change-performance-index-2021/>.
[6] Estimativas extraídas de: <https://climateactiontracker.org/countries/south-korea/>.
[7] Sobre previsões de aquecimento global, ver em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/07/SPM-Portuguese-version.pdf>.
[8] Declarações reportadas em: <https://www.dw.com/pt-br/merkel-diz-que-alemanha-precisa-fazer-mais-contra-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas/a-58307438>.
[9] Mais sobre European Green Deal em: <https://ec.europa.eu/clima/policies/eu-climate-action_en>.
[10] Conferir em: <https://www.nobelprize.org/prizes/peace/2000/dae-jung/facts/>.
[12] A respeito do K-Drama, ver em: <https://www.wsj.com/articles/netflix-wants-you-to-binge-watch-more-korean-dramas-11614239854>.
[13] Sobre K-Pop, vide: <https://www.bbc.com/culture/article/20190529-how-did-k-pop-conquer-the-world>.
[14] Sobre o filme Minari – Em Busca da Felicidade, conferir em: <https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/2021/04/26/yuh-jung-youn-da-a-coreia-do-sul-o-primeiro-oscar-por-atuacao>.